Titanic afundou há 108 anos com madeirenses a bordo
Uma réplica do no Titanic numa montra do Funchal, já há alguns anos 📷 Paulo Camacho 📷 |
por: Pedro Lima
Nenhum
dos passageiros madeirenses chegaria a porto seguro. Fazem parte da lista dos falecidos no naufrágio. Uma
lista que não é linear. Isto porque, para a Comissão de Inquérito dos Estados
Unidos da América, foram 1.517 vítimas; para a Câmara de Comércio Britânica,
foram 1.503 vítimas; e, para a Comissão de Inquérito Britânica foram 1.490
vítimas. Outras versões haverão, certamente.
O
número da Câmara de Comércio Britânica parece o mais convincente, descontado o
fogueiro Joseph Coffy e o cozinheiro Will Briths Jr., que desertaram em
Queenstown, na Irlanda.
As
classes
De
qualquer forma, muitas fontes apontam como certas os dados dos EUA. E esses evidenciam
diferentes realidades, com verdades diretamente resultantes das classes em
relação aos falecidos e aos sobreviventes, sobretudo entre a 1.ª e a 3.ª classe.
Assim,
em 1.ª classe, dos 329 passageiros, sobreviveram 199, e morreram 130 pessoas. Traduz
uma percentagem de 60,5% dos que conseguiram salvar-se e 39,5% perderam a vida.
Na
2.ª classe, dos 285 passageiros (onde se incluía 1 madeirense), sobreviveram
119 pessoas e morreram 166 (entre eles o madeirense José Joaquim Brito). Mostra
uma percentagem de 58,3% de sobreviventes e que 58,3% perderam a vida.
Na
3.ª classe, dos 710 passageiros (3 dos quais madeirenses), sobreviveram 174 e
morreram 536 pessoas (entre eles Domingos Coelho, Manuel Estanislau e José
Jardim). Representa uma percentagem de 24,5% dos que conseguiram salvar-se e
que 75,5% perderam a vida.
Em
relação à tripulação, dos 899 que seguiam a bordo, sobreviveram 214 e morreram
685 pessoas, o que traduz uma percentagem de 23,8% que conseguiu salvar-se e
que 76,2% perdeu a vida.
Feitas
as contas, do total de 2.223 pessoas a bordo, sobreviveram 706 e morreram 1.517
pessoas, o que traduz uma percentagem de 31,8% dos que conseguiram salvar-se e que
68,2% perdeu a vida.
Alterações
posteriores
Inquéritos
posteriores apuraram cinco culpados pelo acidente.
Além
disso, depois do naufrágio do Titanic, a legislação que regia a construção de
transatlânticos foi alterada. Por isso, todos os navios construídos depois do navio
famoso pelas piores razões, passaram a ter lanchas salva-vidas.
Os
telegrafistas passaram a ter de ficar a trabalhar durante a noite.
Outra
medida foi a criação de uma patrulha internacional do gelo para monitorizar,
alertar e até destruir icebergues que viessem a oferecer riscos à navegação.
O
capitão Smith e o engenheiro-chefe Thomas Andrews permaneceram no navio
naufragado. No entanto, Bruce Ismay, presidente da White Star Line, dona do
paquete, embarca num dos últimos botes que deixou o navio. A sociedade da época
nunca o perdoaria por esse feito.
Em
busca dos madeirenses naufragados
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📷 DR 📷 |
Vítor
Teixeira, um madeirense interessado pelos rumos da emigração da ilha, pesquisou
e revelou à imprensa, aquando do centenário do afundamento, os nomes e de curiosidades
dos conterrâneos que perderam a vida na viagem para a América.
Refere
que na lista original de passageiros do maior navio de sempre da companhia ‘White
Star Line’, constavam os já referidos 4madeirenses: Domingos Fernando Coelho,
José Neto Jardim, Manuel Gonçalves Estanislau e José Joaquim Brito.
Tinham
aportado em Inglaterra num dos vapores ‘Royal Mail Steam Packet Company’. Depois
seguiriam na fatídica viagem, em Southampton, no sul de Inglaterra.
Embarcam
juntos no Titanic a 10 de abril de 1912.
Vítor
Teixeira lembrava, então, que na mitologia grega os titãs eram uma família de
gigantes, os filhos de Urano e Gaia, que pretenderam dominar os céus, mas foram
derrotados e erradicados pela família de Zeus. Neste quadro, acentuava que o
nome do transatlântico foi inspirado na lenda helénica. “O Titanic era sinónimo
de gigantesco, poderoso, colossal, hercúleo, como os titãs. Porém, este gigante
dos mares, colosso de metal, apelidado de inafundável, seria aniquilado,
engolido por um mar gélido e calmo”, complementa.
Acerca
do que encontrou no rasto aos madeirenses do Titanic, Vítor Teixeira referiu
que Domingos Coelho, Manuel Estanislau e José Jardim eram três amigos que trabalhavam
na agricultura. E, com o legítimo desejo de procurarem uma vida melhor, reservaram
passagens para a 3.ª classe.
Por
seu turno, José Joaquim Brito, um comerciante radicado em Londres, capital de
Inglaterra, com outras vivências e posses, comprou a passagem para um nível
acima dos seus conterrâneos: 2.ª classe.
Domingos
Fernandes Coelho
Domingos
Fernandes Coelho nasceu a 19 de junho de 1891, no Torreão, na Madalena do Mar,
concelho da Ponta do Sol. Era filho de José Fernandes Coelho e de Jesuína da
Ponte.
Além
de solteiro, era o mais novo, com 20 anos.
Recebeu
o passaporte 518, datado de 20 de março de 1912, pelo Governo Civil do Funchal.
Zarpou
da capital madeirense para Inglaterra, num dos vapores britânicos.
Em
Southampton adquiriu o bilhete 3101307.
Depois
da tragédia, os pais de Domingos Fernandes Coelho receberam 60 libras do ‘Titanic
Relief Fund’.
José
Neto Jardim
Em
relação a José Neto Jardim, nasceu a 27 de julho de 1890, no Lombo das
Laranjeiras, na Calheta. Era filho de António Gomes Jardim e de Maria Rodrigues
Neto. Tinha 21 anos e casado a 25 de julho de 1910 com Maria de Sousa Carreira.
Daí nasceu uma filha a 6 de julho de 1911, no Lombo do Salão.
Em
1912 decidiu juntar-se ao irmão mais velho e à sua tia, que viviam em Nova
Iorque. A sua mulher e filha iriam mais tarde.
Recebeu
o passaporte 411, a 11 de março de 1912, concedido pelo Governo Civil do
Funchal.
Saiu
da Madeira para Inglaterra e embarcou no Titanic, em 3.ª classe, com o bilhete
3101305. Pagou 7 libras esterlinas.
Manuel
Gonçalves Estanislau
Manuel
Gonçalves Estanislau era o mais velho dos três que saíram da Madeira. Tinha 38 anos.
Nasceu na Calheta a 21 de junho de 1874, no sítio da Ladeira e Lamaceiros, Arco
da Calheta.
Era
filho de Joaquim Gonçalves Estanislau e de Maria de Jesus. Casou a 9 de fevereiro
de 1899, no Arco da Calheta, com Maria Augusta da Encarnação, de 23 anos,
nascida no Ledo/Vinhático, igualmente no Arco da Calheta. Estava casado há 13
anos e tinha cinco filhos.
Recebeu
o passaporte 580, de 30 de março de 1912.
Viaja
da Madeira para Inglaterra, embarcando depois no Titanic, em 3.ª classe, com o
bilhete número 3101306.
José
Joaquim Brito
Por
fim, temos José Joaquim Brito, um comerciante que vivia em Inglaterra, em
Mulgrave Street, Liverpool, a cidade dos Beatles.
Depois
de uma estadia na Madeira, chegou a Southampton num dos vapores da Mala Real
Britânica, seguindo em 2.ª classe para Nova Iorque em viagem de negócios.
Comprou
o bilhete número 244360, por 13 libras.
O
seu destino, após Nova Iorque, seria São Paulo, Brasil.
A
viagem fatídica
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📷 DR 📷 |
Naquele
ano de 1912, o Titanic deixou o porto de Southampton, em Inglaterra. Destino: Nova
Iorque, EUA.
10 de abril, 4.ª feira
Tudo
preparado para iniciar a viagem na 4.ª feira, 10 de abril. O Capitão Edward J.
Smith está no comando.
O
Titanic deixou o cais. A esteira deixada pelas suas hélices faz com as amarrações
do navio New York, que estava atracado nas proximidades, rebentassem. Quase
choca com o navio. Mas a prontidão do capitão Smith, ao inverter a marcha, e apoio
dos rebocadores conseguem evitar o pior.
Contudo,
o incidente atrasou a partida em meia hora.
Atravessa
o Canal da Mancha, rumo a Cherbourg, em França. Deixa 22 passageiros. Embarcam 274
passageiros, seguindo a maioria para a 1.ª classe.
11 de abril, 5.ª feira
Volta
a atravessar o Canal e escala, no dia seguinte, em Queenstown (hoje conhecida
como Cobh), na Irlanda. Deixam o paquete de White Star Line 7 passageiros e 120
embarcaram, principalmente imigrantes da 3.ª classe. São carregados
suprimentos para o navio.
Partiu
às 20h10.
14 de abril de 1912, domingo
A
temperatura cai para quase congelamento. O mar está calmo. A lua não é visível,
mas o céu está limpo.
O
capitão Smith, em resposta aos avisos de icebergues recebidos pelo rádio nos
dias anteriores, traça um novo rumo. O navio segue mais a sul.
13h45
Uma
mensagem do navio ‘Amerika’ avisa que grandes icebergues estão no caminho do
Titanic. Mas os avisos demoram a chegar à ponte.
23h40
A
640 km dos Grandes Bancos da Terra Nova, os vigias do mastro, Frederick Fleet e
Reginald Lee, avistam um icebergue em frente do navio.
Tocam
o sino de alerta do mastro e erguem o comunicador: "Icebergue em
frente".
O
1.º oficial dá ordem: "Tudo a bombordo". E ajusta as máquinas para ré
ou para parar.
A
proa do navio começa a deslocar-se do obstáculo. Contudo, menos de 1 minuto
após o avistamento do icebergue, dá-se o embate. Pedaços
de gelo caiem nos conveses da frente.
O
icebergue "arranha" o lado estibordo (direito) do navio. Deforma e
corta o casco. Solta os rebites abaixo da linha de água numa extensão de 90
metros.
Enquanto
a água entra nos compartimentos dianteiros, o primeiro oficial Murdoch aciona o
encerramento das portas à prova de água. O Titanic foi construído para
conseguir ficar a flutuar com quatro compartimentos inundados. O problema foi
que os cinco primeiros compartimentos foram rasgados e estão a meter água.
O
capitão Smith, com as suas barcas brancas, estava na sua cabine quando sentiu a
vibração do navio e foi para a ponte. O oficial Murdoch informa sobre o
ocorrido.
De
pronto, o capitão ordenou que todas as máquinas fossem desligadas e mandou
chamar Thomas Andrews para investigar os danos.
15 de abril, 2.ª feira
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📷 DR 📷 |
0h05min
O
capitão Smith reuniu os oficiais e deu ordem para que os barcos salva-vidas
fossem preparados e os passageiros acordados. Sabem que o número de
embarcações apenas é suficiente para pouco mais da metade das pessoas. Por
isso, pede para não haver pânico.
Os
empregados começam a passar de cabine em cabine, nas 1.ª e 2.ª classes. Acordam
os passageiros e solicitam que coloquem os coletes salva-vidas e que se dirijam
ao convés dos salva-vidas de imediato.
Os
passageiros da 3.ª classe permanecem reunidos e trancados no grande salão da 3.ª
classe junto à popa. Muitos revoltam-se. Alguns aventuraram-se pelos labirintos
de corredores no interior do navio para tentar encontrar outra saída. Uns
conseguem escapar com vida. Mas muitos acabam sepultados no Titanic.
A
evacuação é feita de acordo com as classes sociais a que os passageiros
pertencem.
São
enviados sinais de socorro.
Vários
navios respondem, incluindo o gémeo do Titanic, o ‘Olympic’. Mas nenhum está
perto para chegar a tempo.
O
navio que está mais próximo é o ‘Carpathia’, a 93 km, que se traduz em 4 horas
de viagem. Tarde demais para resgatar todos os passageiros com vida.
Da
ponte, as luzes de um outro navio podem ser vistas no lado bombordo. A
identidade desse navio permanece um mistério até hoje. Há teorias sugerindo que
seja o ‘Californian’. As comunicações entre ambos não surtem efeito.
0h31
Os
salva-vidas começam a ser preenchidos: "Mulheres e crianças primeiro",
avisa a tripulção.
Os
primeiros são lançados sem que tenham alcançado a lotação máxima.
A
estibordo, o 1.º oficial Murdock permite a entrada de homens solteiros e casais
nos barcos, após a entrada de mulheres e crianças, e fá-los descer cheios. Por
isso, muitos dos homens que se salvaram devem a sua vida a esse oficial.
0h45
Como
o navio mais próximo não responde nem aos sinais do telégrafo nem aos sinais da
lanterna, o capitão manda disparar os foguetes de sinalização.
A
fim de evitar o pânico, o capitão solicita que a orquestra de bordo toque junto
ao convés dos salva-vidas para acalmar os passageiros.
1h25
A
inclinação do convés fica mais acentuada. São dadas ordens para que os barcos
desçam mais cheios. A água já atinge o nome do Titanic pintado na proa. O navio
começa a inclinar para bombordo.
Faltam
pouco mais de dois barcos para deixar o navio quando os passageiros da 3,ª
classe são “libertados”. Restam apenas essas embarcações e dois desmontáveis.
2h05
O
último salva-vidas é baixado, com 44 pessoas.
2h10
É
enviado o último sinal pelos telegrafistas.
O
capitão ordena "cada um por si" e não é mais visto por ninguém.
Já
com a proa mergulhada no mar e a água a atingir o convés de salva-vidas, o
pânico é geral.
2h18
As
luzes do navio piscam uma vez e depois apagam-se para sempre.
A
inclinação do navio chega aos 35°. A água gélida avança rapidamente, arrasando
tudo o que há pela frente.
A
popa do Titanic sobe e mostra as hélices de bronze.
Quando
a inclinação chega ao 43°, maior fica a pressão exercida no centro do navio,
que não suporta a pressão. Sofre uma rutura do casco junto à terceira chaminé,
dividindo o barco em dois. A popa, pesando vinte mil toneladas, desaba por cima
de dezenas de passageiros, esmagando-os. Quando a proa submerge, arrasta a
popa, deixando-a na vertical.
Segundos
depois, a proa desprende-se da popa e mergulha para as profundezas.
A
popa sobe alguns metros e fica quase estática. Muitos passageiros seguram-se como
podem, enquanto alguns, não aguentando, caem violentamente entre as ferragens
da popa em vertical. Depois de dois minutos emersa, a popa começa a descer.
Leva consigo dezenas de passageiros.
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📷 DR 📷 |
2h20
O
navio mergulha a pique pelas profundezas do oceano.
Mais
de 1.500 pessoas estão na água gelada.
Depois
da popa desaparecer, alguns seguem-se alguns segundos de silêncio por uma fina
névoa branca acinzentada provocada pela fuligem do carvão e pelo vapor que
ainda havia no interior do navio.
O
silêncio dá lugar a uma infinita gritaria por pedidos de socorro.
Os
que não morrem durante o naufrágio lutam para se manter vivos nas águas gélidas,
tentando agarrar qualquer coisa que boiasse.
Um
bote não se limita a esperar. O número 14 aproxima-se de outro e transfere os
seus passageiros e retorna ao local do naufrágio para recolher possíveis
sobreviventes. Quase todos estão mortos por hipotermia e apenas 6 pessoas foram
resgatadas com vida.
4h10
O
navio Carpathia resgata o primeiro salva-vidas.
No
local, apenas duas dezenas de embarcações flutuam dispersas entre os destroços.
Assim
que os primeiros raios de sol surgem no horizonte, outros navios começam a
chegar. Entre eles, o Californian.
Mas
nada mais há a fazer a não ser resgatar os corpos que boiam.
8h30
Recolha
do último salva-vidas, que está virado de cabeça para baixo.
8h50
O
Carpathia ruma a Nova Iorque com os sobreviventes.
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